Rubina Ahmadi

© Anke Schwarzer

Rubina Ahmadi
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“Esquecemo-nos frequentemente de que a migração com destino a Hamburgo estava – e continua a estar – ligada ao colonialismo.”

ENTREVISTA: Anke Schwarzer

Quando pensa na história colonial e no momento presente, que lugares e espaços de Hamburgo é que lhe ocorrem espontaneamente?

 

No que diz respeito a este tema, o porto de Hamburgo ocupa, obviamente, uma posição central. Mas quando penso na questão colonial e no tempo presente, também me vêm imediatamente à cabeça as pessoas que vivem e trabalham em redor de Steindamm, no bairro de Sankt Georg. Existe nessa rua uma grande variedade de lojas indianas, paquistanesas e indonésias, de supermercados árabes. Talvez não se encontre aí aquela ligação clássica e mais direta a Hamburgo e à sua história colonial, mas quando observado de uma perspetiva europeia, o lugar não deixa de ser extremamente interessante. Existem ligações às típicas colónias britânicas, como a Índia e o Paquistão, ou mesmo à Síria, o que nos sugere a administração francesa. Podem aí ser encontradas muitas referências ao colonialismo: as pessoas que ali trabalham ou gerem a sua loja possuem uma experiência direta do próprio colonialismo ou então conhecem-no do contexto da sua própria história familiar.

Se, ao sairmos do comboio na Estação Principal, em vez de nos dirigirmos às principais ruas do comércio, em redor de Mönckebergstraße e de Jungfernstieg – onde se pode adquirir os dispendiosos produtos das marcas de luxo –, seguirmos na direção de Steindamm, veremos reclamos escritos em diferentes línguas. Está-se em Hamburgo, mas ao mesmo tempo é como se não fosse Hamburgo. O eixo de ligação que se pode percorrer desde Steindamm, com as suas lojas coloridas e simples, até Jungfernstieg, passando pela área pedonal de Spitalerstrasse, pode ser descrito como uma verdadeira «viagem do Oriente ao Ocidente». Em Steindamm são-nos dados a ver letreiros escritos em árabe ou em diversos alfabetos das línguas indianas. Continua a ser um lugar bastante diferente de outras áreas. Acho essa rua um lugar bem interessante, mas muitos hamburgueses e turistas não se apercebem de nada disso ou então vêem-na apenas como uma zona de aspeto meio sórdido. Não vão lá porque sentem não pertencer ali, por não necessitarem de nada do que lá há ou apenas por o considerarem um local estranho. Por outro lado, também conheço pessoas que dizem: «Quando preciso de uma escapadinha, vou até Steindamm.»

Cada supermercado tem a sua própria história. E as pessoas daquele lugar, que em tempos emigraram para a Alemanha e atualmente possuem um negócio, ou mesmo as que hoje chegam à Alemanha como refugiados ou estudantes, todas essas pessoas têm, de uma maneira ou de outra, a ver com o colonialismo.

“A geração jovem já não se vê como hóspede, como acontecia com muitas pessoas mais velhas; estas achavam que nem sequer tinham o direito de aspirar à visibilidade.”
Mas em que medida?

 

Esquecemo-nos frequentemente de que também a migração que há mais de 50 ou 60 anos teve a Alemanha e Hamburgo como destino estava ligada ao colonialismo. A atenção tende a concentrar-se sobre os migrantes turcos, no entanto, as comunidades migrantes são bem mais diversas e variadas! Os países colonizados libertaram-se das “pátrias-mãe” britânica e francesa. Se se pretende conhecer as razões para as pessoas terem vindo para a Europa, incluindo para Hamburgo, há também que procurá-las nas guerras e conflitos que existiam na altura, devido aos movimentos de independência. O porto desempenha igualmente um papel relevante, pois houve pessoas que chegaram a Hamburgo por intermédio do comércio; algumas delas, porém, vieram para cá por terem tido de fugir do seu país, outrora colonizado, quando já aí não entreviam qualquer perspetiva de vida. 

Estas razões, bem como a própria desintegração dos países de origem das pessoas, são as que hoje em dia explicam os movimentos migratórios provenientes do Norte de África, da Síria e de outros países do Médio Oriente. Nessas regiões de origem continuam a fazer-se sentir os vestígios de circunstâncias geopolíticas de épocas passadas, que ainda se repercutem no presente. E tudo isso – as pessoas, as lojas ou as mesquitas para diferentes comunidades – se encontra densamente concentrado em Steindamm.

Na sua opinião, dever-se-ia tornar mais visíveis essas ligações à realidade colonial de antes? E, em caso afirmativo, como se deve recordá-la?

 

Tornar visível é importante. Para isso, porém, há que dar um passo atrás. É provável que, em redor da zona de Steindamm, muitas pessoas nem sequer estejam conscientes dessa ligação ao colonialismo. Penso que, para muitos dos que lá se encontram, ainda será frequente verem-se a si mesmos como estrangeiros e não como hamburgueses com uma experiência do colonialismo. Creio que muitos acham que os problemas que desde há muito existem na sua terra natal, causados pelos europeus que lá estiveram, não são para aqui chamados, em Hamburgo. A minha impressão é que a geração que veio em tempos – os comerciantes e homens de negócios que agora gerem lojas ou restaurantes em Steindamm – não estabelece uma ligação muito vincada entre o facto de aqui estarem e as consequências do colonialismo; creio que não estarão tão cientes da sua própria história pessoal. E teriam de ser essas pessoas que cá estão a tornar visíveis as suas ligações à realidade colonial. Afinal, é a sua própria história. Trata-se de experiências que não ficaram para trás, na sua pátria, mas que elas trouxeram consigo. No entanto, o facto de ainda se verem como estrangeiros leva a que também não se identifiquem muito com este assunto. É provável que muitas pessoas da geração mais velha pensem assim: «Esta história diz respeito à minha pátria. Este tema e a minha experiência com ele não são para aqui chamados, em Hamburgo, porque sou um estrangeiro».

Aqueles que vieram há mais tempo não se veem necessariamente já como refugiados. Mas hoje em dia isso é diferente: as pessoas que vêm agora têm uma maior capacidade de estabelecer essa relação com o colonialismo. Muitos vieram fugidos da guerra. Entre as motivações dos que chegaram nos últimos anos vemos velhos problemas geopolíticos que já existem há muito, mas que agora se agudizaram.

Que formas de auto-organização ou de empoderamento podem ser encontradas em torno de Steindamm?

 

As ruas em redor de Steindamm proporcionam uma infraestrutura importante. Para muitos dos não-europeus que aqui chegam, este é o local onde podem dar os primeiros passos. É um lugar central em Hamburgo, onde com certeza irão encontrar alguém que fale a sua língua e que lhes possa dar uma ajuda. Há aqui lojas que vendem telefones, agências para transferência de dinheiro, agências funerárias. Até há pouco tempo existia a Tenda Lampedusa, que constituía um lugar central para os recém-chegados.

Tenda Lampedusa

“Lampedusa em Hamburgo” é o nome de uma ação de protesto protagonizada por um grupo de refugiados que, após a Guerra Civil da Líbia, veio para Hamburgo através da Itália e que, desde há alguns anos, tem vindo a exigir o reconhecimento, enquanto coletivo, do direito a asilo. Em 2013 o grupo montou a chamada «Tenda Lampedusa» como ponto central de intercâmbio para os refugiados. Em março de 2020, a tenda – que antes fora registada como um local de vigília permanente – foi desmontada pela polícia com vista a «proteger contra o perigo de infeções», embora os organizadores cumprissem todos os requisitos destinados a prevenir a propagação do SARS-CoV-2. Teme-se agora que, mesmo no período pós-pandemia, a tenda não possa voltar a ser montada no local central onde se encontrava. [Nota Anke Schwarzer]

A geração mais jovem vê que os seus pais vieram e ficaram. E sente que ela própria também não está de partida, sabe que ficará na cidade. Entre os jovens há a tendência para se identificarem mais fortemente com Hamburgo. Imagino que também o darão a conhecer ao mundo exterior com mais convicção, que ousarão trazer para a esfera pública toda a temática das experiências que os seus antepassados tiveram face ao colonialismo. A geração jovem já não se vê como hóspede, como acontecia com muitas pessoas mais velhas; estas achavam que nem sequer tinham o direito de aspirar à visibilidade, além de que, com frequência, era talvez até melhor para elas permanecerem invisíveis. Tal irá mudar com a nova geração, pois esta irá apresentar-se aos outros com uma atitude mais autoconfiante. Iremos porventura ver isto também no aspeto das próprias ruas. Neste bairro têm lugar diversas iniciativas de cooperação política, diversas campanhas e ações de formação. Talvez venha a haver também cartazes ou painéis que informem a respeito de certos temas, uma vez que para a geração mais jovem o alemão tornou-se entretanto a língua do quotidiano. O aspeto das ruas irá certamente mudar. Teremos de estar atentos ao modo como o bairro, com os seus apartamentos e hotéis caros, se irá desenvolver nos próximos anos.

Tradução: Paulo Rêgo