José Eduardo Agualusa

© Daniel Mattar

José Eduardo Agualusa
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“Fazer uma boa biblioteca especializada, dedicada a Lisboa Africana, a todo o processo de escravatura, aos países africanos, onde pudessem estar os jornais e revistas sobre África e população afrodescendente.”

ENTREVISTA: MARTA LANÇA

Que lugar seria o seu eleito para reforçar esta relação da cidade com a história colonial e de  resistência, e porquê? 

 

Falando apenas da cidade e não da metrópole, dou o exemplo da Madragoa, antes chamada de Mocambo, que era uma zona de forte presença africana no século XVII e XVIII. Quando, há 40 anos, cheguei a Lisboa para estudar Agronomia, era uma zona de grande presença cabo-verdiana e africana. Toda aquela área da cidade: a Madragoa, a Rua do Poço do Negros, a Rua do Sol ao Rato, tinha fortíssima presença, no passado, e voltou a ter no século XX. Infelizmente essa presença quase desapareceu, hoje em dia. Ainda há uns restaurantes cabo-verdianos na rua do Poço dos Negros. 

Como sugere que se memorialize a presença africana?     

 

Eu sou escritor, acho que a melhor maneira é criando bibliotecas. Fazer uma boa biblioteca especializada, dedicada a Lisboa Africana, a todo o processo de escravatura, aos países africanos, onde pudessem estar os jornais e revistas sobre África e população afrodescendente. Seria interessante localizar essa Biblioteca num dos palacetes que ainda existem nessas zonas de presença africana.

Acha que tem havido um debate interessante sobre políticas de memória na cidade? 

 

É um debate novo e que agora existe muito em torno dessas questões. A existência de uma comunidade portuguesa de origem africana, sendo antiga no tempo, tendo uma história e tradição, quase desapareceu e voltou a reaparecer recentemente. Não há muito tempo que Portugal tem uma nova comunidade de nacionais de origem africana. Mesmo assim, é preciso fazer a distinção, não tem nada a ver com o que se passa em França ou Inglaterra, a comunidade portuguesa de origem africana é muito pequena quando comparada com esses países. Ainda assim, é uma comunidade que começa a ter representação, no meio artístico, literatura, música e na política. E isso explica também que o debate se tenha fortalecido. 

Dê exemplos de algumas passagens ou figuras dessa Lisboa da presença africana nos seus livros.   

 

Tenho um livro, escrito em parceria com o Fernando Semedo, e com fotografias da Elza Rocha (infelizmente já faleceram) que se chama Lisboa Africana (Edições Asa, 1993), e é precisamente sobre esta Lisboa contemporânea da presença africana. O livro foi publicado há muito tempo e hoje estaria totalmente desactualizado. Tenho a sensação de que essa Lisboa, num certo sentido, já foi mais vibrante. Por exemplo dentro da cidade, não estou a falar dos bairros, havia mais presença africana concentrada. Hoje tirando o B.Leza não temos quase discotecas africanas e mesmo restaurantes há muito poucos, tenho a sensação que diminuiu. Há mais portugueses de origem africana mas talvez haja menos africanos. Talvez estes portugueses de origem africana não procurem já estes espaços, não sei. A verdade é que essa presença cultural de África aparentemente diminuiu, ao mesmo tempo que aumentava a comunidade de origem africana. A Nação Crioula (1997) que é um romance de época (século XIX) tem umas poucas passagens que se situam em Lisboa. As Mulheres de Meu Pai (2007) tem como protagonista uma jovem de origem africana, a Laurentina, que vai  à procura de África e tem um namorado de origem africana que não quer ter nada a ver com África. São duas posturas que se pode encontrar nos novos portugueses de origem africana: aqueles que buscam as suas origens, que têm interesse e se definem plurinacionais, outros que se desmarcam dessa relação com África.