Hannimari Jokinen

© Stilla Seis

Hannimari Jokinen
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”Em Hamburgo, a temática do comércio transatlântico de seres humanos continua, em larga medida, ainda por estudar.”

ENTREVISTA: Anke Schwarzer, 2021

Quando pensa no passado colonial desta cidade e no momento presente, que lugares e espaços em Hamburgo lhe ocorrem espontaneamente?

 

Comecei por olhar para mapas antigos da Palmaille, uma das ruas mais antigas do bairro de Altona. Dei-me conta de como esta área se foi desenvolvendo ao longo dos séculos: uma paisagem de prados com moinhos de vento foi dando lugar a magníficas casas com jardins barrocos, até a industrialização acentecer, mais junto ao porto. A sul da Palmaille situava-se o porto de Altona, nas margens do rio Elba. Aí funcionavam os estaleiros navais onde se construíam navios para o comércio transatlântico de seres humanos. Em Altona, outrora uma cidade que integrava a Dinamarca, era possível fretar navios de dois andares já equipados com correntes, facto comprovável em documentos históricos.

A título de exemplo e de acordo com o que surge registado num estudo posterior do historiador Heinrich Sieveking, os comerciantes Caspar Voght e Georg Heinrich Sieveking terão pensado em recorrer a Georg F. Baur [1] para alugar um destes navios de dois andares, que serviria para transportar pessoas escravizadas da Guiné, mais concretamente do território do atual Gana, para a ilha de São Domingos, hoje Haiti. No entanto, o empreendimento fracassou por causa dos elevados custos do seguro do navio; isto porque as seguradoras tiveram em conta a elevada taxa de mortalidade dos escravos africanos numa viagem considerada de risco. Baur construiu todo um complexo de edifícios ao longo da Palmaille, onde atualmente se situa o Consulado da África do Sul e a sede da companhia de navegação Deutsche Afrika-Linie. Também Pierre Boué, um comerciante e armador huguenote, desenvolvia as suas atividades em Altona e Hamburgo. Embora fosse considerado um refugiado por razões religiosas, ainda assim construiu para a Companhia das Índias Orientais – a pedido do rei francês Luís XIV, que o havia expulsado – um total de 23 navios destinados ao tráfico humano. 

Existiam obviamente outros intervenientes, com relações entre si e uma ligação comum ao Königliches Commerz-Collegium Altona [Real Colégio de Comércio de Altona]. O navio Ernst von Schimmelmann [2] estava sempre atracado em frente a Altona, pronto para, em caso de necessidade, largar rapidamente amarras, em especial rumo às Caraíbas, por exemplo, para a ilha de Sankt Thomas. Nas ilhas então dinamarquesas de Sankt Thomas e Sankt Croix ainda hoje existem bairros chamados Altona. Não sei se o navio Ernst von Schimmelmann foi efetivamente construído em Altona, mas é claro que pertencia à família Schimmelmann. A embarcação transportava não só mercadorias para as Caraíbas e para as Américas, mas também pessoas escravizadas.

“Deveria ser possível, mesmo de modo inesperado, as pessoas se deparassem com estes conteúdos.”

Esses eventos ocorreram há bastante tempo. Que vestígios concretos se pode ver hoje de tais eventos? Estes vestígios antigos estão marcados de alguma forma no espaço urbano?

 

Não, não estão marcados. Em Hamburgo, a temática do comércio transatlântico de seres humanos continua, em larga medida, ainda por estudar. Penso que o grupo de trabalho Hamburg Postkolonial é atualmente a única entidade em Hamburgo que tenta reunir estes pequenos pedaços de informação para depois os transmitir no espaço urbano. Escolheria como exemplo uma lápide num cemitério histórico junto a uma igreja de Altona muito próxima da Palmaille, a Christianskirche. Para isso, vou ter de voltar a falar do navio Ernst von Schimmelmann. Nesse cemitério há uma lápide dedicada a Anton Friedrich Gebauer. Na sua vida profissional teve a seu cargo a mercadoria transportada nos navios de Schimmelmann. 

Em 1780, Heinrich Carl von Schimmelmann escreveu a Gebauer, dando-lhe instruções para, de acordo com a citação, "navegar com um lote de escravos para São Domingos, para aí serem vendidos". Numa outra carta de 1781, enviada de Wandsbek, Caroline Tugendreich, a esposa de Schimmelmann, revela-se como "mestra tesoureira", escrevendo o seguinte ao seu marido: "Gehbauer vem de viagem para Hamburgo?... A quanto estão as ações?... Quanto irão perfazer os 4% que me prometeste do lucro?... Acredito que em breve me tornarei uma capitalista, aliás, conto com isso." Com efeito, os Schimmelmann tinham razões para estar satisfeitos, pois o navio transportava 800 barris da mais valiosa das cargas de origem colonial: açúcar em pó e café. O lucro líquido foram 75 mil táleres. Assiste-se aqui a uma relação direta entre as "mercadorias coloniais" e o tráfico de seres humanos.

Mais tarde, esse Gebauer construiu uma grandiosa vila numa rua ali próxima, chamada Philosophenweg. Isso quer dizer que, enquanto responsável pelas cargas, mesmo sendo empregado de Schimmelmann, também ele se tornou muito rico.

A seu ver, como deveria Hamburgo lidar com estes vestígios coloniais no espaço urbano e com esta parte da sua história?

 

Todo o bairro de Altona e sobretudo a Palmaille estão repletos de história; cada edifício conta uma história por si. É muito interessante o que por lá se encontra. No entanto, nas visitas à cidade que organizo, não posso transmitir tudo isso, caso contrário demorariam muito tempo. Poderia haver uma espécie de percurso através de Hamburgo e Altona com pequenos textos em painéis. Reconheço, no entanto, as dificuldades que isso envolve, pois muitas vezes passa por casas particulares, e não creio que os proprietários vejam com bons olhos a colocação de um texto crítico em frente à sua casa. Neste aspeto, haveria certamente muito a fazer. Seria necessária muita negociação. E creio que na maioria dos casos isso não seria possível.

Ocorrem-lhe ainda outras possibilidades?

 

Realizamos visitas à cidade, o que tem a vantagem de permitir trocar ideias diretamente com as pessoas. De resto, existem projetos de cartografia digital, como o Webmap Hamburg Global ou este do Goethe-Institut. O envolvimento destes meios de comunicação é um dos caminhos possíveis, mas esta espécie de manto digital que se espalha sobre a cidade não poderá continuar a ser a única oferta. Para quem não anda especificamente a visitar e sabe que tem de usar o seu smartphone, estes vestígios no espaço urbano permanecem invisíveis. Deveria ser possível, mesmo de modo inesperado, as pessoas se deparassem com estes conteúdos. Para tal, seria útil a existência de painéis informativos, com códigos QR que remetessem para websites, onde estaria disponível mais informação. 

No fundo, trata-se também de equacionar o futuro da nossa cidade, o modo como, no espaço urbano, as pessoas podem lidar com ela. Em geral, gostaria de ver mais esclarecimento, mais investigação e mais arte. Acima de tudo, acho que o intercâmbio com artistas é muito importante, com ênfase especial nos países anteriormente colonizados. E isto, por sua vez, requer apoios financeiros.

Tradução: Paulo Rêgo

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Notas

[1] Georg Friedrich Baur (1768–1865) foi um comerciante e banqueiro de Altona, ligado à Casa Comercial J.H. & G.F. Baur. O comerciante Caspar Voght (1752-1839) e o parceiro de negócios Georg Heinrich Sieveking (1751-1799) dirigiram em conjunto a Casa Comercial Voght & Sieveking.

[2] Ernst Heinrich von Schimmelmann (1747-1831) foi o "mestre tesoureiro" dinamarquês (ministro das Finanças); era o filho mais velho do comerciante Heinrich Carl von Schimmelmann (1724-1782), que também foi mestre tesoureiro da Dinamarca e que, nessa altura, era não apenas um dos homens mais ricos da Europa como ainda uma figura de importância central no tráfico de seres humanos.