África em Lisboa: representações da cidade pós-colonial

© Francisco Vidal

África em Lisboa: representações da cidade pós-colonial

O poema Lisabona, do poeta Luís Carlos Patraquim; a peça Museu do Pau Preto, de António Tomás; e o documentário Os lisboetas, de Sérgio Trefaut são algumas das mais diversas representações culturais contemporâneas que representam Lisboa como uma cidade pós-colonial. Todas estas produções salientam as contradições e as assimetrias por vezes ocultadas pelo discurso celebratório da lusofonia, devolvendo assim imagens da cidade, radicalmente distantes das representações de uma Lisboa tanto lusófona quanto multicultural.

Jessica Falconi
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Em verdade Lisboa não estava ali para nos saudar.
Eis-nos enfim transidos e quase perdidos
no meio de guardas e aviões da Portela.
Em verdade éramos o gado mais pobre
d’África trazido àquele lugar
e como folhas varridas pela vassoura do vento
nossos paramentos de presunção e de casta.

Lisboa 1971 – Arménio Vieira

Configurando a cidade pós-colonial

O itinerário de leitura proposto nesta reflexão centra-se em diferentes representações da “presença africana” na cidade de Lisboa, produzidas a partir de  lugares de enunciação e géneros discursivos distintos. Apesar das diferenças, podemos, entretanto, identificar traços comuns que devolvem imagens radicalmente distantes das retóricas celebratórias que informam as representações de uma Lisboa tanto lusófona – ora mestiça, ora crioula, ora africana – quanto, por vezes, acriticamente multicultural, veiculadas cada vez mais frequentemente pelos meios de comunicação portugueses.

Emblemático desse tipo de lógica, subjacente à representação das marcas multiculturais do espaço urbano lisboeta, é, por exemplo, o discurso construído em torno da requalificação de áreas geograficamente centrais (e socialmente marginais) da cidade de Lisboa, como é o caso do largo Martim Moniz, tido hoje como modelo de “praça global” e “mercado intercultural”. [1] A mudança de designação, do mais comum “étnico” para o mais politicamente correto “intercultural”, funciona assim também como marca de um crescente investimento nesse tipo de imagem do espaço urbano, bem como de um fenómeno generalizado de mercantilização das margens e da diferença (SANCHES).

Os versos colocados em epígrafe, retirados do poema Lisboa 1971, do poeta caboverdiano Arménio Vieira (1981), apontam para um primeiro contraponto desses discursos e representações na medida em que trazem à tona outras histórias e outras imagens do espaço urbano, convocando uma reconfiguração deste último a partir de uma perspetiva pós-colonial. Abordarei brevemente algumas definições do conceito de cidade pós-colonial, que irei retomar e aprofundar na análise de um conjunto de representações da cidade de Lisboa.

O uso do conceito de cidade pós-colonial, tal como o de pós-colonial tout court, está longe de ser consensual. Se o uso mais frequente do termo refere as cidades dos espaços outrora sob dominação colonial, também as cidades das antigas potências imperiais têm vindo a ser designadas de cidades pós-coloniais por um conjunto de razões. Em primeiro lugar, os fenómenos migratórios decorrentes dos processos de descolonização determinaram, como é sabido, a presença atual, nos países outrora colonizadores, de um número elevado de sujeitos oriundos das ex-colónias. Para além de constituir um dado demográfico relevante, a presença de imigrantes nos antigos centros imperiais significa a chegada e a circulação de histórias e trajetórias pós- coloniais que moldam, de forma articulada, o tecido urbano e as imagens deste.

Como afirma King, para muitos habitantes das cidades ocidentais “Paris ou Londres são cidades pós-coloniais” [2] (KING, 2009, s/p). Nessa perspetiva, o posicionamento de quem vive e experimenta o espaço urbano é um primeiro elemento determinante para distinguirmos entre “cidade pós-colonial” e “cidade pós-imperial”, sendo o pós-colonial não apenas uma dimensão histórica e geográfica, como também “uma crítica particular, que não só enfatiza o impacto distintivo que o colonialismo teve na economia, sociedade, cultura, forma espacial e arquitectura da cidade, mas também na forma como a própria cidade é compreendida e representada” [3] (KING, 2009, s/p). Como realçam Huggan e Chambers, as cidades pós-coloniais refletem o duplo significado do termo “pós-colonial” na medida em que registram tanto a continuidade quanto a rutura com o passado colonial. Nessa perspetiva, trata-se de lugares ambivalentes onde as antigas dinámicas coloniais aparecem ultrapassadas ou atualizadas e reinventadas (HUGGAN; CHAMBERS, 2015, p. 786).

Por outro lado, pensar as cidades das antigas potências coloniais a partir de uma perspetiva pós-colonial significa localizar no universo urbano as múltiplas conexões entre centro e periferia, entre passado e presente, abordando a cidade como zona de contato, ou seja, como um contexto de relações assimétricas no qual culturas diferentes entram em contato reconfigurando-se reciprocamente (PRATT, 1992).

Como produto de travessias e deslocamentos, tanto materiais quanto simbólicos, bem como lugar de encontro, desencontro e co-existência entre instâncias sociais, raciais, étnicas e culturais distintas, a cidade pós-colonial poder ser considerada zona de contato por excelência, testemunho tangível de que centro e periferia, tal como império e nação, sempre se constituíram com base na reciprocidade, sempre estiveram intimamente ligadas. De facto, para Yeoh, o conceito de cidade pós-colonial, ao conectar territórios distantes e distintos, permite abordar as relações, as histórias e as configurações identitárias que sempre circularam entre centro e periferia (YEOH, 2001, p. 457).

“Branca Lisabona”

Essas considerações encontram um contraponto significativo e instigador na representação da cidade de Lisboa que emerge no poema Lisabona, de autoria do poeta moçambicano Luís Carlos Patraquim (PATRAQUIM, 2004, p. 127-129).

Considerada no seu conjunto, a produção poética de Patraquim denuncia, de forma alusiva e paródica, as continuidades ideológicas entre espaço colonial e espaço nacional e os fenómenos de exclusão, assimilação e apagamento das diferenças culturais e sociais que têm marcado a história do seu país. Marcada pela relevância da dimensão do espaço, a poesia de Patraquim reflete criticamente sobre as geografias identitárias do passado e do presente, muitas vezes estilhaçando e questionando os espaços construídos, ideológica e politicamente, como unitários. Por meio da representação de lugares como a Ilha de Moçambique, Lourenço Marques/Maputo ou o Oceano Índico, o poeta moçambicano desoculta as contradições e os conflitos que marcam os “centros”, trazendo vozes e trajetórias frequentemente silenciadas pelos discursos políticos e identitários dominantes.

Diversamente da maioria de seus poemas, cujo espaço referencial é Moçambique, o poema Lisabona, como o título evidencia, convoca a cidade de Lisboa. Para além da dedicatória a Arménio Vieira, também o elemento anafórico do primeiro verso (“Em verdade”) aponta para o diálogo intertextual com Lisboa 1971 (ver fragmento em epígrafe) em relação ao qual Lisabona funciona como projeção – forma  de continuação – na atualidade das dinâmicas e do contexto evocados pelo poeta caboverdiano.

O título Lisabona encerra a primeira de uma série de ambiguidades que marcam a construção do poema. À maneira da Lixboa de As naus, de António Lobo Antunes, Lisabona evoca uma toponomástica antiga de origem incerta, [4] podendo ser lida, por outro lado, como a designação da cidade de Lisboa corrente na língua romena, remetendo para uma das comunidades de imigração mais presentes atualmente na capital portuguesa. Assim, o título do poema começa logo por nos colocar perante uma multiplicidade de referências espaço-temporais e culturais que irá amplificar-se ao longo do texto. A evocação simultânea de passado e presente, bem como de universos geográficos e culturais diversos, encenada por meio do nome Lisabona remete para uma característica da cidade pós-colonial identificada por King, para quem “a cidade pós-colonial gera não só múltiplas temporalidades mas também múltiplas espacialidades” [5] (KING, 2009, s/p). Como mostrarei, tal multiplicidade temporal e espacial é um elemento dominante e recorrente no poema de Patraquim e na peça de António Tomás que analisarei ao longo deste artigo.

O marcador do discurso “Em verdade” no princípio do primeiro verso (tal como no texto de Arménio Vieira), para além de funcionar como alusão ao poema Lisboa 1971, revela a dúplice intenção do poema de Patraquim: por um lado, a de intensificar e validar o poema evocado por alusão por meio de um exercício de reescrita-continuação deste; por outro lado, a de contradizer algum enunciado prévio, colocado no exterior do texto, referido à relação centro-periferia. Voltemos ao poema de Arménio Vieira, que descreve a deceção experimentada por um sujeito coletivo (“Lisboa não estava ali para nós saudar”, sublinhado meu) identificável num grupo de africanos (“o gado mais pobre d’África”) de chegada a Lisboa. A última estrofe alude à relação centro-periferia, elaborada no nível do imaginário, fornecendo-nos uma chave para remontarmos a um discurso prévio que tanto o poema de Arménio Vieira como o de Patraquim pretendem desmentir:

E quando mais tarde surpreendemos o espanto
da mulher que vendia maçãs
e queria saber donde… ao que vínhamos
descobrimos o logro a circular no coração do Império
(VIEIRA, 1981, p. 17).

A deceção dos africanos é amplificada pelo espanto da mulher (portuguesa): o logro que circula no coração do Império diz respeito às representações construídas pelo discurso colonial sobre o Outro colonial e o Eu imperial, sobre o centro e a periferia. O encontro/desencontro na capital imperial dá-se sob o signo de um estranhamento causado pela “descoberta”: o coração do Império revela-se um lugar inóspito onde os africanos são tanto estranhos quanto estranhados.

O poema de Luís Carlos Patraquim retoma alguns desses elementos, como o estranhamento frente às representações da cidade imperial, transitando para uma configuração pós-colonial que engloba também o presente. O espaço arquitetónico da cidade de Lisboa é convocado nos dois versos inciais: “Em verdade era o derradeiro esforço das abóbadas/ dos arcos, uma ferrugem de pedra – a maresia –” (PATRAQUIM, 2006, p. 127). Esses elementos podem ser lidos como simbolização do poder imperial, podendo-se associar o “derradeiro esforço” à fase final do colonialismo português em África. Assim, o poder imperial metonimizado pela arquitetura da cidade, empenhado num derradeiro esforço de sobrevivência, aludiria ao esforço de Portugal, via guerra colonial, para manter seu domínio nos territórios africanos. O vínculo intertextual ao poema de Arménio Vieira dar-se-ia, assim, pela alusão à mesma dimensão temporal, sendo o poema do poeta caboverdiano relacionado à chegada das tropas coloniais a Lisboa. Logo a seguir, no 3o verso, Patraquim introduz outro elemento central tanto do poema como de outras representações da Lisboa pós-colonial: “E de supetão essa língua, como se a não habitasses, descarnando-a no silêncio pendular das estátuas” (Idem).

A tónica sobre a língua produz novamente uma sobreposição de tempos ao aludir à retórica da língua comum utilizada pelo discurso da lusofonia. A língua, tida como suposta pátria comum, revela-se um “lugar” tão inóspito quanto a cidade. Transita-se, desse modo, da falsa identidade comum defendida pelas retóricas coloniais para a falsa irmandade linguística promovida pelo discurso da lusofonia. Serão, então, esses discursos os enunciados prévios que o poema de Patraquim, retomando o do poeta caboverdiano, pretende desmentir devolvendo outra representação da cidade pós- colonial.

A relação entre língua e cidade apontada pelo verbo “habitar” (“como se a não habitasses”) está presente em vários momentos do poema, como mostrarei em breve.

Por um lado, a cidade “real” é evocada por meio de um conjunto de referências a bairros, ruas ou subúrbios (“Lá para as bandas do Largo, no Sodré”; “Lumiar adentro”); por outro lado, o poeta moçambicano subverte o sentido comum da relação centro- periferia, atribuindo à antiga capital do Império português um estatuto periférico: “Em verdade, ó estuário largo, tu é que és a ultramarina enseada”. Ao mesmo tempo, Lisabona povoa-se de elementos que funcionam como metonímias das antigas colónias, tais como “o aroma dulcíssimo das micaias”, as almadias e o grasnar das aves do Zambeze, os imbondeiros, etc. Assim, o espaço-tempo do poema parece desafiar a dicotomia entre a antiga metrópole e as colónias, como que invertendo a antiga lógica colonial segundo a qual os territórios coloniais “eram Portugal”. Como observa também Ana Mafalda Leite, Lisabona devolve um “ajustamento geográfico de planos, em encruzilhada e puzzle paródico, que a língua rememora em arcaicos sabores, recriados por uma memória calibanizada que desenvolve uma sintaxe de reflexão sobre a diáspora e as lusofonias” (LEITE, 2004, p. 184-185).

Na parte final do poema, à língua e à cidade, o sujeito da enunciação dirige um verdadeiro apelo poético para que ambas se abram:

[...] à turba canora e não belicosa, vadia como tu, Língua que te empoas de gramáticas de castelão devasso
O camoniano fado, em verdade rasga-me esses versos por aí, tenórios
e leva-nos co’as pragas e a massinguita das Ethiópias perdidas,
Ao mal-cozinhado, ao tempero finíssimo de oitavos e tercetos…
(PATRAQUIM, 2004, p. 129).

A metaforização recíproca entre língua e cidade vem subverter as metáforas homogeneizadoras de espaços unitários, como a língua-pátria, a língua-nação e o espaço da lusofonia. A língua portuguesa torna-se em Lisabona o espaço tangível de expressão da diáspora e da diferença, um território de tensões e exílios tal como a Lisboa dos supostos arrastões. [6] Nessa perspetiva, o sujeito da enunciação parece dirigir a palavra poética para uma língua entendida como fonte potencial de autoridade e repressão, tal como a cidade. Por outro lado, tanto a língua como a cidade são verdadeiros palimpsestos de múltiplas crioulizações que trazem em si as marcas do passado e do presente, da história colonial e das histórias pós-coloniais. O apelo à abertura tanto da cidade quanto da língua para as “turbas canóras e não belicosas” desenha um dos desafios das cidades europeias pós-coloniais: o de incorporar de forma crítica seu passado colonial, deixando-se habitar pelas margens.

No Museu do Pau Preto

Com estratégias evidentemente diferentes, o texto da peça de teatro O Museu do Pau Preto [7], de António Tomás, encena o que poderíamos considerar outra representação da Lisboa pós-colonial.

A peça, “a primeira peça escrita, produzida, encenada e interpretada só por negros” (LANÇA, 2010, s/p), enquadra-se no conjunto do trabalho do Grupo de Teatro Pau Preto, fundado em 1998 por António Tomás e outros artistas africanos e descendentes de africanos radicados em Portugal, sob a direção de Miguel Hurst, com o intuito de explorar as diferentes realidades dos países africanos de língua oficial portuguesa e da presença africana em Portugal. O Museu do Pau Preto reconstrói a história dessa presença e sua inscrição na imagem e na vida da cidade de Lisboa, focando os conflitos protagonizados pelas várias gerações de imigrados africanos.

A personagem que abre o prólogo é uma hospedeira, Muxima, que anuncia aos passageiros do avião a duração e o destino da viagem:

Este é o voo DT0003, que parte de Maputo e tem Lisboa como destino. Terá uma duração de vinte e quatro horas e estão previstas escalas em Luanda, São Tomé, Bissau e Praia. O vosso destino é Portugal, um destino já antigo. De 1444, se dermos qualquer crédito à Crónica da Guiné, de Zurara.

O itinerário da viagem anunciada, marcado por escalas nas capitais das ex- colônias, evoca, de forma inequívoca, o antigo mapa do Império Português na África. A Crónica da Guiné, de Zurara, é invocada de forma ambígua como possível auctoritas para afirmar a história. O destino, a cidade de Lisboa, é o lugar onde os passageiros do avião irão trabalhar “já não como escravos […] para construir Lisboa”, diz ainda a hospedeira, salientando a interconexão ainda atual entre centro e periferia na configuração da cidade pós-colonial.

Personagem-chave da construção espaço-temporal da peça, a hospedeira conhece o passado, o presente e o futuro da presença africana em Lisboa: para além dos fenômenos de discriminação e das dificuldades de adaptação e relacionamento com o novo espaço, ela preanuncia o papel que os africanos terão na reconfiguração da imagem da cidade e sobretudo a imagem que deles será construída em Portugal, o que corresponde à construção europeia do estereótipo sobre África e os africanos:

Vocês vão modificar o aspecto da baixa de Lisboa... vocês vão ajudar a criar esta ideia de que Lisboa é uma cidade miscigenada... de encontro de culturas. Ah, e já me ia esquecendo, as discotecas africanas vão proliferar... Mussulo, Sarabanda, B’Leza e muitas mais. A música e a dança. Pela música, dança e desporto vocês serão conhecidos. Para o bem e para o mal estes serão os vossos estigmas.

No discurso da hospedeira, prefigura-se a imagem da Lisboa africana e multicultural em que as políticas urbanas têm vindo cada vez mais a investir. Nuno Oliveira aborda essas dinâmicas analisando os planos de reabilitação do bairro da Mouraria, onde o investimento em questões de integração e convívio entre culturas para a criação da imagem da cidade multicultural se insere no que o autor define como governança da diversidade, um conjunto de políticas que evocam as antigas ideias coloniais sustentadas pelas teorias lusotropicalistas (OLIVEIRA, 2013).

De facto, nas palavras da hospedeira, encontramos aquelas formas de contaminação entre as comunidades imigrantes e as sociedades de acolhimento descritas por Miguel Vale de Almeida. Para o antropólogo português, “comida, música, dança estão na linha da frente, e não por acaso, pois entram pela porta do corpo e dos sentidos, não pela da racionalidade e da ordem social” (ALMEIDA, 2004, p. 87). A este         propósito, Manuela Ribeiro Sanches afirma que “As culturas negras, a ‘presença africana’ (embora se esteja a falar maioritariamente de populações nascidas em Portugal) são bem-vindas em Lisboa, desde que sirvam à mercantilização da cidade como espaço cosmopolita global, justapondo o exótico ao familiar” (SANCHES, 2010).

No prólogo da hospedeira de O Museu do Pau Preto encontramos também outro elemento fundamental da representação da presença africana em Lisboa à volta do qual se desenvolvem as cenas principais da peça: a concentração de imigrados africanos na Baixa lisboeta e, em particular, na Praça do Rossio.

A primeira cena passa-se, de facto, na Praça do Rossio, onde aparecem outras personagens da peça: o Velho, um rapaz imigrado ironicamente chamado Benvindo, o Professor. O Velho, juntamente com a hospedeira, é outra personagem-chave da construção do espaço-tempo do texto: como refere o Professor, e como o próprio Velho afirma nas suas contranarrativas, é uma personagem que atravessa os séculos, resgatando “os passados subalternos” ocultados pelo discurso colonial. O Velho reconstrói os momentos históricos e os itinerários da escravatura que marcaram as muitas diásporas africanas, passadas e presentes, espalhadas no mundo e em particular em Portugal, constituindo uma ponte entre o passado da dominação colonial portuguesa em África e o presente dos fluxos da imigração em Portugal:

Fomos acorrentados em longas caravanas, embarcados sem ter o que comer ou beber, devorando as nossas próprias crianças à dentada. Atravessámos mares e mortes, levados à força. Ajoelhados na nossa humanidade, todos os dias recusada, todos os dias vilipendiada. Nestes tempos brumosos, os demónios do mar escreveram as suas regras na nossa terra. As grandes plantações de cana-de-açúçar foram o nosso destino. O trabalho de sol a sol. Na nossa terra ficou calcada toda a resistência. Ensinaram-nos a correr atrás do tempo, como se este existisse.

As palavras do Velho remetem também ao laço imprescindível entre modernidade e colonialismo e à crítica do discurso do progresso imposto pelo Ocidente às populações colonizadas.

Ao longo da peça, o espaço do império é reconstruído e reinterpretado à luz das condições dos imigrantes africanos na cidade, representados pelo jovem Benvindo, pelo Escritor público e por outra personagem, chamada simplesmente de o Homem.

À Praça do Rossio chega o jovem Benvindo à procura de um lugar chamado Museu do Pau Preto:

Mas só pode ser aqui. Disseram-me, lá em África, no sítio de onde eu saí. “Olha, apanha um taáxi e toda a gente sabe onde é que fica o Museu do Pau Preto. É um sítio onde os pretos ficam todos os dias”. Quando eu cheguei no aeroporto, cá, apanhei um táxi e disse, “me leva para o Museu do Pau Preto”, e o senhor motorista me trouxe aqui.

A relação entre língua e cidade apontada A concentração de imigrantes na Praça do Rossio, e em particular de africanos, é já um lugar comum quer nas representações da cidade multicultural, quer nas análises das novas configurações socioculturais do espaço urbano lisboeta. Cristiana Bastos chama a atenção para o facto de as praças públicas da Baixa Lisboeta serem, com efeito, o espaço privilegiado de atração e interação entre diversas comunidades de imigrantes onde se criam novas fronteiras e relações entre os grupos (BASTOS, 2004, p. 181).verbo “habitar” (“como se a não habitasses”) está presente em vários momentos do poema, como mostrarei em breve.

Para o arquiteto e fotógrafo angolano Henrique Dinis da Gama, que analisa a fisionomia da Baixa à luz da espacialização do poder implicada pelos planos da reconstrução pombalina, é a concentração de imigrantes africanos e suas dinâmicas o que, de facto, revitaliza essa área, que é cada vez mais utilizada por grande parte da população da cidade apenas como interface de transportes. Frente a esta atitude, cuja tendência aponta para o esvaziamento sociocultural dessa mesma área, a apropriação desses espaços por parte das comunidades africanas representa, para o arquiteto, uma tendência oposta à configuração da Baixa lisboeta como não lugar da pós-metrópole (GAMA, 2005, p. 150).

Com o ensaio de Gama dialoga Luís Carlos Patraquim num texto jornalístico intitulado “Lisboa já não dorme aqui”, em que se traça, se quisermos, mais uma versão do Museu do Pau Preto que o jovem Benvindo da peça de António Tomás procura ao chegar a Lisboa, esse lugar onde “os pretos ficam todos os dias”:

[...] empregos, negócios, documentos, encontros de amigos e de familiares, como se os laços invisíveis da Irmandade Negra da Nossa Senhora do Rosário marcassem ainda os interesses e as proteções. As turbas multicolores, canoras e não belicosas, continuam a golfar das bocas do metropolitano, seja deste lado, seja do da Praça da Figueira. Turbas/tubas de uma multiculturalidade que dorme nas cinturas suburbanas e vem mercar mão de obra e estatutos no terciário que é hoje quase toda a cidade. A baixa pombalina também. Onde já quase ninguém dorme (PATRAQUIM, 2008, p. 58).

De maneira semelhante, o espaço recriado na peça de António Tomás vai nesse mesmo sentido por intermédio das falas das personagens, que no Museu do Pau Preto, no coração da cidade supostamente multicultural, movimentam-se entre desencontros sociais e culturais que a partilha da língua não resolve. A língua, pelo contrário, acaba por ser, muitas vezes, mais um fator de discriminação e racismo juntamente com a cor da pele, a classe social ou o género. A este propósito, Almeida afirma que, segundo a retórica da lusofonia,

[...] os colonizados terão adquirido a nossa língua; ela ter-lhes-á sido oferecida em dádiva, mas para ser usada nas suas terras, constituintes do novo império da geolinguística compensatória, a lusofonia. A narrativa da mistura baseia-se na dádiva que recusa o contradom […] nada seria suposto “retornar” a Portugal, nada cultural e muito menos étnico-racial (ALMEIDA, 2006, p. 364).

Nessa perspetiva, podemos ler Lisabona de Patraquim como uma encenação poética das dinâmicas da “dádiva” e do “contradom” descritas por Almeida.

Filma a cidade: Os lisboetas

Realizado com o apoio do Icam, [8] o documentário Os lisboetas, de Sérgio Tréfaut, estreou em 2004. Recebeu diversos galardões em festivais internacionais, nomeadamente, Melhor Filme Português no IndieLisboa International Film Festival 2004; Melhor Filme Documental no Uruguay International film Festival 2007; Melhor Realização e Melhor Montagem no Brazil Cineport 2007.

Trata-se de um documentário que marca uma viragem significativa nas representações da cidade de Lisboa ao abordar a presença das comunidades de origem africana e brasileira em conjunto com as recentes vagas migratórias originárias de outros espaços, nomeadamente, a Europa do Leste e a Ásia. Se, por um lado, o documentário centra-se principalmente em imigrantes da Europa do Leste, considerados de facto os “novos lisboetas”, por outro lado, interessa aqui enquanto retrato a cidade como encruzilhada de diferentes trajetórias que articulam as histórias individuais aos movimentos e às mudanças históricas, económicas e demográficas de cariz global, trazendo no mesmo lugar as diásporas do pós-colonialismo e do pós-comunismo.

Da primeira fase de investigação para o filme surgiu o documentário-instalação de 30 minutos intitulado Novos lisboetas (2003), no qual, em dois ecrãs justapostos, põem-se em diálogo breves testemunhos de imigrantes sobre os seus percursos e hábitos e imagens da vida das comunidades imigrantes na cidade de Lisboa, com destaque para lugares de culto e cerimónias religiosas. Para além de crianças e adultos oriundos de vários países da Europa do Leste, destacam-se nos ecrãs também crianças africanas muçulmanas em justaposição com as imagens das mesquitas de Lisboa e da concentração diária de africanos no Rossio, tornando o Islão um dos rostos visíveis da cidade. A legenda final da instalação realça o caráter social e político da sua mensagem, que será retomada e aprofundada no filme Os lisboetas. Após mencionar a dimensão do fenómeno da imigração em Portugal dos últimos anos, a legenda chama a atenção para o  papel dos estrangeiros na construção da cidade:

Foram estes imigrantes – em grande parte ilegais – que mudaram Lisboa. Participaram na construção da Expo 98, da ponte Vasco da Gama, das novas linhas de metro e de muitas outras obras públicas.

Podemos ler neste excerto um elemento que remete às questões iluminadas pelas outras obras em análise: tal como as antigas colónias participaram da construção e da edificação da modernidade ocidental e dos Impérios, do mesmo modo, na atualidade, os imigrantes são uma componente central da “construção” da Europa contemporânea e pós-colonial.

Desenvolvendo os temas da instalação, em Os lisboetas o realizador segue os percursos de diversos indivíduos que atravessam a cidade, cada um ocupado com a sua própria “invenção do quotidiano”. De facto, a câmara é utilizada de acordo com a modalidade observativa, identificada por Bill Nichols como uma das principais modalidades de representação documentária, centrada no envolvimento direto do realizador na vida quotidiana dos sujeitos escolhidos, observados de forma silenciosa e discreta. Trata-se de uma modalidade originada pelo movimento do cinéma vérité surgido na década de 1960, mas que continua atual, embora frequentemente reelaborado com a introdução de elementos de outras modalidades (NICHOLS, 2006, p. 40).

Um dos aspetos que distingue o documentário de Tréfaut de outras representações visuais dos africanos em Lisboa (ARENAS, 2012) é também um elemento comum ao texto da peça Museu do Pau Preto: em lugar de bairros dormitórios nos arredores e nas periferias da Grande Lisboa, é no coração da cidade, entre a Baixa, o Rossio, Martim Moniz e outros bairros próximos do centro, que os imigrantes filmados criam e vivem uma outra cidade dentro da cidade. Por meio de instantâneos do dia a dia e dos percursos dos sujeitos filmados, o documentário aponta para os eixos temáticos centrais de reflexão sobre a imigração nas grandes cidades contemporáneas, que resumimos a seguir.

•    A integração dos imigrantes na sociedade de acolhimento no plano burocrático, económico, linguístico e cultural: sobre este aspeto, são especialmente significativas as cenas filmadas no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, onde são patentes as dificuldades de comunicação e interação entre os estrangeiros e os funcionários portugueses; nos pontos nodais para a procura de emprego; numa sala de aulas de língua portuguesa para estrangeiros; numa unidade móvel de cuidados de saúde.

•    A apropriação de espaços e lugares da cidade por parte dos imigrantes: a dimensão religiosa da cidade, já evidenciada pela instalação Novos lisboetas, adquire ainda mais destaque no filme. Para o realizador, os diversos locais de culto espalhados no coração da cidade aparecem como lugares privilegiados para narrar a cidade: de facto, de acordo com Short, as práticas religiosas são traços cada vez mais distintivos das cidades pós-coloniais e globais, na medida em que funcionam como atos de afirmação de uma identidade coletiva e de resistência à globalização (SHORT, 2000, p. 23).

•    Relativamente às vivências diárias e à apropriação do espaço urbano, podemos destacar as cenas em que são filmados diversos momentos de recreio e lazer (como no caso de uma festa noturna na Casa do Brasil ou das crianças a brincar na praia e na Praça de Martim Moniz) que rompem o tom por vezes melancólico da narração, abrindo para visões potencialmente mais otimistas em relação ao futuro.

•    A relação com a terra de origem: no documentário, Tréfaut realça este aspeto utilizando diversos elementos. Por um lado, em vários momentos os imigrantes são filmados ao telefone, em contato com familiares e amigos com os quais partilham dificuldades e expetativas. As cabinas telefónicas são assim incorporadas à paisagem urbana como elemento central da experiência da imigração. Por outro lado, o filme evoca também o papel dos meios de comunicação de massa na construção das comunidades diaspóricas, por meio de referências à rádio e aos jornais nas línguas maternas de alguns imigrantes.

•    A integração dos imigrantes na sociedade de acolhimento no plano burocrático, económico, linguístico e cultural: sobre este aspeto, são especialmente significativas as cenas filmadas no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, onde são patentes as dificuldades de comunicação e interação entre os estrangeiros e os funcionários portugueses; nos pontos nodais para a procura de emprego; numa sala de aulas de língua portuguesa para estrangeiros; numa unidade móvel de cuidados de saúde.

Tal como nas outras obras analisadas, também em Os lisboetas a língua surge como território complexo e ambivalente de integração e exclusão. Para os imigrantes da Europa do Leste, a aprendizagem da língua é um dos desafios principais da integração, patente nas filmagens das interações na sala de aulas, nos locais da procura de trabalho e noutros contextos do quotidiano capturados pela câmera. Porém, parece-nos significativo que, como podemos ver nas cenas filmadas no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a partilha da língua não implica necessariamente menores dificuldades de interação e integração, revelando as lacunas e a falácia das políticas e dos discursos que investem na existência de uma comunidade transnacional de países de língua portuguesa.

Conclusões

Nas obras analisadas, a cidade e a língua são representadas como espaços marcados por conflitos e relações de desigualdade que as políticas da representação da cidade multicultural, bem com aquelas que promovem o espaço da lusofonia não incluíram nas suas agendas. Se a abertura da língua portuguesa para as diferenças culturais e geográficas que a marcam é um dos objetivos perseguidos pelas políticas de instituições e entidades que sustentam o discurso da lusofonia, perguntamo-nos até que ponto essas políticas refletem e promovem a língua na sua articulação com as diásporas e a imigração. Por outras palavras, e parafraseando Almeida, de que modo essas políticas estão a enfrentar as múltiplas vertentes do “contradom” africano, principalmente a vertente humana?

O uso das categorias de diáspora e imigração levanta um conjunto de questões, abordadas por Almeida, sobre as diferenças de estatuto por elas engendradas. Para o antropólogo, as distinções determinadas por critérios de diferença étnica ou racial e de desigualdade económica e social contribuem para a criação de estatutos diferentes e crescentes segmentações. Se por um lado o desafio lançado ao Estado-nação pela noção de diáspora representa sua verdadeira operacionalidade, por outro lado a categoria de imigração continua a produzir uma perceção orientada por critérios ligados à integridade do território nacional, ou seja, por noções de origem, chegada, regresso. Nessa perspetiva, o título do filme de Sérgio Tréfaut, Os lisboetas, é uma poderosa provocação política ao estatuto da cidadania na Europa contemporánea.

Reproduzindo a tentativa de recusa e regulamentação do “contra-dom” humano africano, a hospedeira da peça de António Tomás afirma:

Os imigrantes não podem chegar assim como se isso fosse deles. Tem de haver uma ordem. Há que cumprir os critérios de convergência. De outra maneira não conseguiríamos localizá-los, identificá-los, muito menos classificá-los. Os tempos mudaram.

Se, como afirma a hospedeira, os tempos mudaram, por outro lado o discurso colonial mantém-se, na medida em que se reproduzem lógicas e práticas típicas do colonialismo, deslocadas, no entanto, para o espaço da pós-colonialidade europeia. Trata-se da época pós-colonial, onde, como afirma Mezzadra, “a experiência colonial pertence ao passado, mas precisamente pelas formas como se realizou a sua superação, ela se instala no cerne da experiência social contemporânea, com o seu legado de dominação e simultaneamente de insubordinação” (MEZZADRA, 2008, p. 25).

O uso das categorias de diáspora e imigração levanta um conjunto de questões, abordadas por Almeida, sobre as diferenças de estatuto por elas engendradas. Para o antropólogo, as distinções determinadas por critérios de diferença étnica ou racial e de desigualdade económica e social contribuem para a criação de estatutos diferentes e crescentes segmentações. Se por um lado o desafio lançado ao Estado-nação pela noção de diáspora representa sua verdadeira operacionalidade, por outro lado a categoria de imigração continua a produzir uma perceção orientada por critérios ligados à integridade do território nacional, ou seja, por noções de origem, chegada, regresso. Nessa perspetiva, o título do filme de Sérgio Tréfaut, Os lisboetas, é uma poderosa provocação política ao estatuto da cidadania na Europa contemporánea.

Dominação e insubordinação, dádiva e contradom informam o espaço-tempo de Lisabona e d’ O Museu do Pau Preto, que apelam para a construção de outros espaços de direitos, a ser criados na cidade pós-colonial, tal como o faz o documentário Os lisboetas.

DÁvida e Contradom

Os termos dádiva e contradom (ou dom e contradom), surgem na sociologia política de Maria Isaura Pereira de Queirós. Os termos inspiram-se na “Teoria da dádiva” do antropólogo francês Marcel Mauss, que atesta a existência [em determinadas sociedades] de um tipo de troca baseada na ideia da reciprocidade. A obrigação de dar e receber estabelece uma espécie de contrato que abre espaço para a negociação.” (VASCONCELLOS, Dora Vianna. Nota. In: Maria Isaura Pereira de Queiroz: uma interpretação sobre o desenvolvimento brasileiro e seus processos de inovação social. Estud. Soc. e Agric., Rio de Janeiro, vol. 22, n. 2, 2014: 310-326)

Se, como afirma Almeida, o lugar da imigração é o lugar da exploração mas também da obtenção da cidadania, as políticas de representação do multiculturalismo e da lusofonia estão diretamente envolvidas na definição e na construção deste lugar. No entanto, e parafraseando as perplexidades de Sanches, perguntamo-nos como praticar o cosmopolitismo se a cidade pós-colonial e a língua persistem em funcionar como dispositivos de exclusão? As representações da Lisboa pós-colonial aqui apresentadas parecem responder com suas estratégias criativas, que são também políticas, de desocultamento e afirmação das histórias pós-coloniais que marcam o espaço urbano e a língua em que o dizemos.orientada por critérios ligados à integridade do território nacional, ou seja, por noções de origem, chegada, regresso. Nessa perspetiva, o título do filme de Sérgio Tréfaut, Os lisboetas, é uma poderosa provocação política ao estatuto da cidadania na Europa contemporánea.

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Notas

[1] Ver o artigo disponível em http://fugas.publico.pt/Noticias/306147_martim-moniz-e-uma-praca-do- mundo-e-um-mercado-de-fusao.

[2] “Paris or London is a postcolonial city” (KING, 2009, s/p).

[3] “a particular critique, one which not only emphasizes the distinctive impact which colonialism has had on the economy, society, culture, spatial form, and architecture of the city but also on the way the city itself is understood and represented” (KING, 2009, s/p).

[4] Utilizado em atlas, mapas e gravura de autoria de alemães, o termo Lisabona é referido por Ribeiro Guimarães no Summario de vária história: “Da Lisibo, ou Lisabona dos árabes, perderam-se todas as memórias” (1872, p. 29).

[5] “the postcolonial city can be said to generate not only multiple temporalities but also multiple spatialities” (KING, 2009, s/p).

[6] Refiro-me ao chamado “arrastão” supostamente acontecido na praia de Carcavelos a 10 de junho de 2006. Como mostraram o documentário Era uma vez o arrastão, de Diana Andringa e Mamadou Bá, e outras fontes de imprensa, a agressão referida nunca aconteceu realmente.

[7] Texto inédito fornecido pelo autor. Escrito em finais da década de 1990. A peça estreou em 2000 na Culturgest de Lisboa.

[8] O Instituto do Cinema Audiovisual e Multimédia, criado em 1998, foi reestruturado em 2004, dando origem ao atual ICA – Instituto do Cinema Audiovisual (Ministério da Cultura de Portugal).

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Bibliografia

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Última edição em: 18/12/2024 16:42:50