© Viviane Lièvre
„Es ist besser, die Arten des Widerstands und der kulturellen Produktion von Bevölkerungen, die der Kolonisierung unterworfen waren, zu betonen.“
Que lugares considera mais relevantes em Lisboa na relação com a colonialidade?
A Capela de Nossa Senhora do Rosário, na Igreja da Nossa Senhora da Graça. Quando entramos, vemos quatro santos negros à esquerda. Para mim é muito raro. A presença dos santos negros, em Portugal, em Lisboa, a partir do século XV, mostrando também a existência de Confrarias e Irmandades ao longo de séculos, até ao início do século XX. Uma das consequências dos “Descobrimentos” foi a vinda de escravos para Lisboa, mas os donos dos escravos eram obrigados a catequizá-los, era um dever importante. Assim, a igreja e o poder português aceitaram a entrada de escravos nas Confrarias mais pobres, onde os negros podiam ajudar os famintos, os feridos, os doentes na sua cura ou a acompanhar pessoas quando faleciam. As Irmandades permitiram resgatar a liberdade de alguns escravos. Foi uma instituição exemplar na história de Portugal, porque o dever de Nossa Senhora do Rosário era catequizar, ela ajudava os camponeses, escravos e todas as pessoas que não sabiam ler, a rezar.
Mas é uma história que está evidente na Capela ou só se acede investigando?
A história é bem clara, conhecemos o nome dos quatro santos e o seu culto é divulgado em toda a lusofonia. É raro ter os quatro juntos numa capela. Normalmente temos São Benedito de Palermo, é o mais famoso, depois o Santo António de Noto, a Santa Ifigénia, é a única santa negra da igreja católica, e Santo Elesbão, oriundo de Núbia, Etiópia. Todos foram muito importantes para os povos escravos. Os frades de Sicília [São Benedito e Santo António de Noto] espalharam o culto em Espanha, Portugal e até no Brasil. Numa sala perto da capela, houve uma exposição de um cortejo de todas as Irmandades de Lisboa e lá dentro podemos ver as Irmandades de negros, com bonecos de barro mostrando um longo cortejo com membros da Irmandades de Lisboa.
Uma segunda possibilidade?
O Largo de São Domingos, perto do Rossio, é também conhecido como a Embaixada da Guiné. Se passarmos por lá hoje podemos ver uma assembleia de africanos. Estão lá para trocar informações, troca de serviços, receber recém-chegados. Nas ruas vizinhas podemos encontrar lojas de beleza africanas, de legumes, especiarias. É um bom posto de observação da presença africana. E já no século XVII era o lugar dos caiadores negros, onde iam oferecer-se para caiar as paredes e as casas. Era um bom lugar para se colocar uma estátua.
Já tem a inscrição "Lisboa, Cidade da Tolerância", escrita em 34 línguas, e a referência ao Massacre de Lisboa de 1506 contra judeus. Mas nada sobre africanos.
Sim, e até hoje é um monumento vivo com as pessoas africanas que lá estão. Mas podia-se colocar uma estátua de bronze em memória do caiador negro.
Outra hipótese de lugar de memória?
A Rua do Poço dos Negros. É raro encontrar o nome de uma rua que faça declarada referência à presença africana. No tempo de D. Manuel foi criado esse poço para deitar cadáveres negros, por uma questão de limpeza e saúde da cidade. É importante explicar isto. Podíamos levar à letra a ideia do poço, imaginar os visitantes a descer e percorrer uma cidade subterrânea sobre a história da colonização e da escravatura. Hoje é preciso resgatar essa memória da história escondida.
Qual o seu lugar eleito para intervencionar?
Quanto à história da colonização escolho o Jardim Tropical. É situado perto do Padrão dos Descobrimentos, foi feito na comemoração da Exposição do Mundo Português, para mostrar a importância do império português. Com pavilhões de Cabo Verde, São Tomé, Angola, representados por casotas. O compositor cabo-verdiano B.Leza viu que as casas cabo-verdianas estavam representadas em palha. Foi-se embora zangado. Os organizadores do acontecimento arranjaram as casas para acalmar a sua fúria. Hoje no Jardim Tropical, podemos ainda encontrar nas áleas do jardim, bustos de povos africanos, asiáticos, que foram resgatados e restaurados em cima de colunas.
Como memorizá-lo?
O que eu desejava para o Museu Quai Branly, em Paris, que é absolutamente colonial, seria mostrar a criatividade das antigas colónias francesas. A expressão artística, a resistência, atual, moderna e contemporânea dos países do sul, para serem consideradas. Para o Jardim Tropical podia-se encomendar obras modernas de artistas dos países de língua portuguesa e perceber qual a sua visão sobre a colonização. Perceber as histórias complicadas, os interessantes frutos dessa boda brutal, a mestiçagem cultural, como a música cabo-verdiana (a morna acaba de ser património cultural da humanidade), é a história da nossa época. Prefiro mostrar a importância da cultura atual dos povos que foram colonizados do que a denúncia. Denunciar, todos os livros denunciam o peso do passado. Para mim, é o trabalho a fazer: mostrar o resultado positivo de uma história negativa que temos de aceitar.
Mas, por outro lado, a história violenta e colonial não é conhecida nos manuais escolares nem nos lugares da cidade. E talvez haja necessidade de ter referências claras a essa violência para melhor contextualizar os resultados positivos dessa história negativa…
Por isso, acho que o Museu de Etnografia devia mostrar a expressão moderna dos países colonizados nas salas das exposições temporárias. Um modelo perfeito é o Memorial da Abolição da Escravatura da cidade de Nantes. Fica num cais perto do rio. Não se vê nada primeiro e, ao andar, começamos a ver placas com nomes de barcos que participaram no negócio dos escravos. O monumento não se ergue, tem de se descer.
Obedece mais à lógica de um memorial…
Descemos ao fundo, ao porão de uma espécie de barco onde se lê palavras que ajudaram à libertação dos escravos. O percurso pela dignidade dos povos escravizados. É um memorial sagrado, uma catedral a partir de baixo.
Na sua opinião, a forma de memorializar um lugar tem mais a ver com uma reflexão que mostre os resultados e não a purga dos crimes passados?
Lisboa é uma cidade rica, intensa que não aproveita a sua qualidade.