Muito antes de o Império Alemão ter adquirido as suas próprias colónias, Portugal havia já estabelecido o seu enorme império ultramarino. E não apenas Lisboa tirou proveito dele, também para a cidade de Hamburgo esse negócio rendeu. Com efeito, os mercadores hamburgueses gozaram de importantes privilégios em Portugal e os fabricantes na cidade hanseática obtiveram significativos lucros das transações comerciais realizadas. Já os mercadores portugueses que se estabeleceram em Hamburgo tiveram, por seu lado, de suportar condições discriminatórias, depois de já terem sido frequentemente alvo de perseguição por parte da Inquisição, em Lisboa.
Agressões aos judeus portugueses por parte de cidadãos de Hamburgo
No livro de registos da comunidade judaico-portuguesa de Hamburgo, pode ler-se, a propósito do dia 10 de janeiro de 1666, a seguinte anotação: "Além disso, foi ainda decidido que, em nome da comunidade, seriam enviados como presente ao comandante policial da cidade doze pães de açúcar, dos melhores que houver disponíveis, juntamente com 40 libras do melhor e mais branco açúcar em pó, para desse modo se lhe sinalizar o nosso agradecimento pelo cuidado tido em enviar os seus soldados, com vista a acalmar a populaça. Deste modo, poder-se-á acalentar a esperança de que, em casos futuros – que Deus nos guarde deles – ele seja preparado para, com mais prontidão, nos apoiar" [1].
Que acontecera afinal? Cerca
de duas semanas antes, haviam ocorrido tumultos de cariz antijudaico em
Hamburgo, aquando do enterro de Abraham Senior Teixeira. Este importante homem
de negócio português nascera em Lisboa em 1581, fora batizado como cristão e
recebera o nome Diogo Teixeira. No entanto, em resultado da sua ascendência
judaica, Teixeira acabara por ficar na mira da Inquisição.
Em busca de segurança, Diogo Teixeira começou por se deslocar para o Brasil, mas desde 1613 foi sobretudo a partir de Antuérpia que passou a conduzir os seus negócios, onde para além do mais desenvolveu durante vários anos atividade como cônsul de Portugal.
A inquisição em portugal
Em Portugal, a Inquisição foi instituída em 1536, por meio de uma bula
papal. O seu objetivo era combater as heresias, isto é, quaisquer ensinamentos
que se desviassem da doutrina oficial da Igreja católica. Dispunha de tribunais
nas cidades de Lisboa, Évora e Coimbra, e ainda em Goa. No decurso dos seus
quase três séculos de existência levou a cabo cerca de 45 mil processos. Desse número total, 32 mil realizaram-se em Portugal Continental e 13 mil em Goa.
Os novos-cristãos constituíram o grupo
social que, de longe, foi mais visado pela Inquisição: trata-se dos judeus e
judias que se haviam convertido ao cristianismo, bem como os respetivos descendentes;
sobre essa parte da população recaía a suspeita de, em segredo, continuarem a
praticar a fé judaica. Outros delitos que a instituição perseguia consistiam na
observância das doutrinas luteranas (e protestantes em geral), nas condutas
indesejáveis, como a homossexualidade e a bigamia, ou ainda em certas
declarações verbais que constituíssem blasfémia ou que contestassem, por
exemplo, a virgindade de Maria. A Inquisição era dirigida por um
inquisidor-geral e um conselho e dispunha de numerosos colaboradores, entre os
quais se contavam muitos teólogos e especialistas em direito canónico. Os
chamados «familiares», na sua qualidade de leigos, prestavam apoio aos
inquisidores, por exemplo na detenção de suspeitos, assumindo também o
cumprimento de tarefas de representação.
Marcocci, Giuseppe / Paiva, José Pedro:
História da Inquisição Portuguesa (1536-1821)
, Esfera dos Livros, Lisboa, 2013.
No ano de 1646 estabeleceu-se por fim em Hamburgo: a partir daí teve possibilidade de, juntamente com o seu filho Manuel, fornecer diversas cortes com artigos de luxo e pedras preciosas, para além de processar letras de câmbio e outros negócios financeiros para esta clientela. Após a sua abdicação, a rainha Cristina da Suécia nomeou em 1655 Diogo Teixeira seu representante de negócios em Hamburgo. Porém, quando no ano de 1647 a família se converteu à fé judaica, tal decisão provocou considerável ressentimentos entre os pastores luteranos de Hamburgo, bem como do próprio imperador do Sacro Império Romano-Germânico. Depois da morte de Abraham Teixeira, uma multidão em fúria importunou os participantes no cortejo fúnebre que se dirigiam para o Cemitério Judaico-Português, situado na Königstraße em Altona (que nessa altura era ainda uma cidade autónoma e não estava integrada em Hamburgo); as portas dos coches que integravam o cortejo foram abertas de rompante, tendo sido lançadas lama e bolas de neve às pessoas que se encontravam no interior. Nessa altura, o comandante da Polícia teve de intervir, um gesto que os líderes da comunidade judaico-portuguesa decidiram reconhecer e agradecer mediante a oferta de açúcar. Esperavam, desse modo, conseguir também criar condições que futuramente garantissem outros apoios que viessem a ser necessários.
Pedras tumulares do casal Sara e Abraham Senior Teixeira, Cemitério Judaico de Hamburgo-Altona, segunda metade do século XVII. Foto:
© Arquivo Michael Studemund-Halévy
Fuga à perseguição movida pela Inquisição: os comerciantes lisboetas de Hamburgo
Esta ocorrência demonstra
bem como era precária a situação dos portugueses no século XVII em Hamburgo: os
primeiros haviam chegado à cidade hanseática em finais do século XVI e, quase
de certeza, muito poucos deles terão abandonado Portugal de livre vontade. Muitos deles
eram descendentes de judeus, estando por isso sujeitos no seu país, face à
Inquisição, à suspeita de continuarem a praticar a religião judaica em segredo.
Alguns dos portugueses que mais tarde vieram a mudar-se para Hamburgo chegaram
a ser detidos, interrogados e até mesmo torturados. Outros havia que tinham
perdido familiares e amigos que sucumbiram a penas de morte em autos de fé.
Muitos fugiram e, já a salvo no exílio, entre protestantes, vieram com efeito –
à semelhança dos Teixeira – a reconverter-se ao judaísmo. A expulsão de judeus
e muçulmanos da Península Ibérica na sequência da Conquista Cristã, acontecida
na Idade Média, os batismos forçados, que ocorreram em grande quantidade em
finais do século XV para aqueles que permaneceram neste território, bem como a
subsequente perseguição dos convertidos e dos respetivos descendentes — tudo
isso pode ser considerado um primeiro passo no sentido do colonialismo europeu
e cristão. Não foi só aquando da expansão marítima que esse fenómeno teve início.
Execução de uma sentença da Inquisição por queimadura na fogueira, Terreiro do Paço, Lisboa. Gravura em cobre não assinada, provavelmente do século XVII. Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal.
Como demonstra o relato
que consta no livro de registos, também em Hamburgo os judeus portugueses não
estavam propriamente a salvo de ser vítimas de atos de violência. Também em
termos legais, estavam em desvantagem em relação aos cidadãos de Hamburgo,
desde logo no desempenho da sua atividade económica. No entanto, o facto de se
dedicarem ao comércio de produtos provenientes de Portugal e das
respetivas colónias não só lhes permitiu viver em relativa tranquilidade como
também atingir um certo grau de prosperidade, para além do facto de terem
conseguido estabelecer uma comunidade judaico-portuguesa. Em meados do século
XVII, quando essa comunidade atingiu a sua maior extensão, deverão ter vivido
cerca de 250 famílias portuguesas na cidade hanseática. Porém, até finais do
século XVII, muitas dessas famílias judaicas mudaram-se para Amesterdão,
Londres ou mesmo para cidades das ilhas neerlandesas ou inglesas das Caraíbas,
onde a tolerância que experimentavam a nível social era maior e a sua situação
jurídica mais favorável.
Em busca de oportunidades de negócio: os comerciantes hamburgueses de Lisboa
Os comerciantes da comunidade portuguesa em Hamburgo não eram de modo algum os únicos que importavam mercadorias das colónias portuguesas para esta cidade. Pelo menos até meados do século XVII, também os homens de negócio neerlandeses desenvolveram uma atividade bastante intensa na rota comercial Lisboa-Hamburgo, antes de os próprios hamburgueses acabarem por se tornar cada vez mais predominantes. E do mesmo modo que havia mercadores portugueses em Hamburgo, também foram muitos os mercadores hamburgueses que se estabeleceram em Lisboa.
Este
fluxo imigratório teve o seu início o mais tardar com a expansão ultramarina
portuguesa a partir de 1415 – o começo da segunda fase no processo do colonialismo
europeu –, e encontra-se mais profusamente documentada a partir de finais do
século XVI. Ao contrário dos portugueses que se estabeleceram em Hamburgo, foi
de livre vontade que os hamburgueses deixaram a sua cidade natal; além disso, a
sua presença em Lisboa não implicava para si perigos fora do comum, podendo
ainda regressar a Hamburgo assim que o desejassem. Com efeito, embora a
Inquisição em Portugal se afirmasse contra qualquer tipo de heresia (o que incluía
toda doutrina religiosa que se desviasse da católica), a verdade é que, na
prática, só muito raramente esta tomava medidas contra pessoas de crença protestante.
Bem pelo contrário, os comerciantes de Hamburgo e as suas respetivas famílias chegaram até a tirar partido do modo de atuar da Inquisição, sendo possível que alguns deles se tenham mudado para as residências abandonadas pelos portugueses que haviam fugido. Acima de tudo, porém, foi ascendendo ao estatuto de «familiares» que puderam, com frequência, ocupar cargos honoríficos na Inquisição, o que lhes rendeu uma elevada reputação no âmbito da sociedade portuguesa. Regra geral, os comerciantes de Hamburgo que viviam em Lisboa adotavam a fé católica; só na segunda metade do século XVII, há registo de bem mais de uma centena de mercadores e aprendizes de mercadores de Hamburgo se ter convertido em Lisboa.
Em conformidade com essa circunstância, uma parte importante da vida social das pessoas de origem alemã que viviam em Lisboa teve lugar no seio de uma irmandade católica, a Irmandade de São Bartolomeu, na igreja de São Julião. O facto de, com frequência, o cônsul das cidades hanseáticas ter sido, em simultâneo, também um dos membros mais destacados dessa irmandade aponta para a importância de tal entidade como associação representativa dos interesses dos homens de negócio.
A IRMANDADE DE SÃO BARTOLOMEU
A Irmandade Bartolomeu remonta a sua fundação ao mercador de madeira alemão Michael Overstädt, que se estabeleceu em Lisboa no final do século XIII. O mais tardar desde o início da expansão ultramarina portuguesa no século XIV que terá havido mercadores e artesãos alemães estabelecidos e a viver continuamente em Lisboa. Muitos deles tornaram-se membros da Irmandade de São Bartolomeu, que possivelmente terá sido fundada também por essa altura, numa capela dedicada a São Bartolomeu, que integrava a igreja paroquial de São Julião. Em finais do século XV e durante boa parte do século XVI a Irmandade foi dominada por artilheiros alemães, conhecidos como «bombardeiros», que em virtude dos seus conhecimentos técnicos sobre armas de fogo pesadas apoiaram os portugueses nas suas conquistas e nos combates frequentemente esmagadores contra as populações locais nos territórios ultramarinos. Contudo, ao longo das últimas décadas do século XVI os artilheiros foram perdendo a sua predominância e os lugares de chefia na Irmandade passaram cada vez mais a ser ocupados por mercadores, os quais não parecem ter tardado a representar a totalidade dos membros; a partir do início do século XVII, a maioria dos mercadores que a compunham eram originários de Hamburgo. Embora no início os membros procurassem na Irmandade sobretudo o auxílio de cariz religioso e social em caso de aflição, de doença ou de morte, com o decorrer do tempo esta instituição transformou-se numa associação que representava os interesses de homens de negócio alemães ou, mais concretamente, hanseáticos. De uma forma modificada, a Irmandade ainda hoje existe.
Schickert, Gerhard / Denk, Thomas: Die Bartholomäus-Brüderschaft der Deutschen in Lissabon. Entstehung und Wirken, vom späten Mittelalter bis zur Gegenwart. A Irmandade de São Bartolomeu dos Alemães em Lisboa. Origem e atividades, do final da Idade Média até à atualidade, Irmandade de São Bartolomeu dos Alemães, Estoril, 2010.
O ouro branco de Hamburgo: o açúcar do Brasil
No final do século XVI, os comerciantes portugueses, neerlandeses e hamburgueses começaram a importar grandes quantidades de açúcar de Lisboa para Hamburgo. O episódio citado no início deste texto revela bem a elevada estima de que, no século XVII, o açúcar gozava em Hamburgo. O produto refinado, obtido a partir da cana-de-açúcar, era então um artigo de luxo, ainda relativamente novo, cujo consumo constituía um dos privilégios da nobreza e dos mais abastados entre os habitantes das cidades. O açúcar servia para ostentar esplendor e conferia às festividades a magnificência que estas mereciam. Para garantir o favor dos detentores do poder, eram realizadas ofertas de dispendiosos presentes feitos com açúcar. Em 1628, por exemplo, as autoridades de Hamburgo decidiram obsequiar a imperatriz em Viena com açúcar e artigos de confeitaria no valor de 1842 marcos; é o que demonstram os livros de registo da tesouraria da cidade [2].
De início, o açúcar importado para Hamburgo provinha das
ilhas da Madeira e de São Tomé, de que Portugal se apropriara no decurso dos
seus avanços pelo Atlântico; em breve, porém, viria a ser produzido sobretudo no
Brasil, que foi conquistado um pouco mais tarde. Aí, o açúcar era cultivado em
grandes plantações por pessoas escravizadas, que os portugueses começaram por recrutar
de entre a população indígena, mas que depois, cada vez mais, foram trazendo de
África. Até ao segundo terço do século XVII, Portugal liderou o comércio do
açúcar a nível mundial. Depois disso, os Países Baixos, a Inglaterra e a França
tornaram-se fortes concorrentes, por terem eles próprios começado a cultivar a cana-de-açúcar
nas suas respetivas colónias. Como resultado, registou-se nestes países uma
forte queda da procura de açúcar brasileiro – pelo que Hamburgo se tornou cada
vez mais importante como mercado de escoamento do açúcar comercializado através
de Portugal.
Em Hamburgo estabelecera-se relativamente depressa uma indústria
de transformação de açúcar, responsável por refinar o açúcar mascavado. As
primeiras refinarias de açúcar tinham sido estabelecidas por imigrantes neerlandeses
em finais do século XVI. Esta indústria expandiu-se, a ponto de no século XVIII haver já entre 300 e 400 empresas a operar em Hamburgo que desenvolviam a sua atividade neste setor. Assim se forneceu açúcar
a todo o Sacro Império Romano e a outros
países da região do Báltico. De acordo com uma testemunha contemporânea, só Amesterdão
terá produzido mais açúcar do que Hamburgo. A comercialização e o processamento
do açúcar vindo do Brasil contribuíram de modo muito significativo para a
prosperidade da cidade hanseática nos séculos XVII e XVIII.
O COMÉRCIO DO AÇÚCAR EM HAMBURGO
"Em tempos, terão sido cerca de 8000 as pessoas que em Hamburgo ganhavam a vida em virtude do açúcar, não só no respetivo comércio e na refinação, mas contando também com todos os ofícios associados. Não havia apenas os mercadores e os corretores envolvidos no comércio do açúcar, ou os refinadores, os seus empregados e toda a demais gente envolvida na refinação do açúcar; havia ainda os operadores das gruas, os armazenistas e os condutores das barcaças que traziam e levavam a mercadoria. E também os carpinteiros ganhavam bom dinheiro ao aproveitar a resistente madeira amarelo-clara das caixas em que o açúcar era transportado, que era transformada em mesas, armários, camas e outros móveis. Esta recebia um belíssimo polimento e os móveis era tão populares em Hamburgo que podiam ser encontrados em quase todos os lares.
Havia os cordoeiros especializados no fabrico da grande quantidade dos compridos cabos usados nos grandes guinchos do armazém, mas também do muito cordel bem mais fino usado na preparação de tiras de açúcar-cândi. E ainda os tanoeiros, que fabricavam barris e tinas, os oleiros, que nos fornos coziam centenas de milhares de moldes e potes. Até finais do século XVIII existiam quatro fábricas desse tipo de moldes na zona de Stadtdeich. Havia também os caleiros, que forneciam a cal, e os magarefes, que traziam o sangue de boi necessário para a refinação, para já nem falar dos caldeireiros, que faziam as enormes caldeiras e frigideiras de cobre para o processo de evaporação."
Citado de: Amsinck, Caesar: «Die hamburger Zuckerbäcker [Os confeiteiros de Hamburgo]», in: Karl Koppmann (org.): Aus Hamburgs Vergangenheit. Kulturhistorische Bilder aus verschiedenen Jahrhunderten [Do passado de Hamburgo. Retratos histórico-culturais de diferentes séculos], vol. 2, 1, Voß, Hamburgo, 1886 (págs. 209-231, aqui pág. 215).
Moldes para os pães de açúcar e caldeiras de cobre, utilizados no Brasil para a produção do açúcar durante a época colonial. A cidade de Hamburgo não se limitou a ser um dos principais compradores do açúcar brasileiro: a sua indústria exportou também este tipo de caldeiras de cobre para Portugal. A partir daí tais apetrechos terão então chegado ao Brasil e a outros lugares. Museu da Cana, Pontal, Brasil. Foto: © Marco Aurélio Esparza. © Domínio Público (Creative Commons — Attribution-ShareAlike 3.0 Unported — CC BY-SA 3.0)
O confeiteiro na fábrica, água-forte colorida segundo Christoph Suhr, Hamburgische Trachten, c. 1820. Foto: © Hartmut Tessin
Outras mercadorias na rota Hamburgo-Lisboa
Muitas outras foram ainda as mercadorias que, através de Lisboa, os comerciantes importaram das colónias portuguesas para Hamburgo. No início do século XVII, esses produtos consistiam sobretudo em especiarias, tais como a pimenta, a canela, o cardamomo, a galanga, a curcuma, os cominhos, o açafrão e outras «drogas», que muitas vezes não eram sequer especificadas. Eram produtos extremamente valiosos, que chegavam a Lisboa vindos da Ásia, transportados através da Rota do Cabo. Além disso, havia madeiras de cores exóticas, especialmente o pau-brasil, de que se extraía um corante vermelho e que foi utilizado em grande quantidade na tintura de tecidos em Hamburgo.
Também o tabaco chegava principalmente do Brasil; com efeito, o mais tardar a partir do início do século XVIII, foi esse o produto que, logo a seguir ao açúcar, ocupou o segundo lugar em termos de relevância entre as mercadorias importadas via Lisboa.
Relativa importância assumia ainda o comércio de barba de baleia, um produto cuja obtenção possivelmente resultou da caça à baleia realizada ao largo da costa brasileira e que foi utilizado, entre outras finalidades, no fabrico de espartilhos (para as varas) e de crinolinas (para os arcos). E, por fim, a partir da década de 1770, foi a vez de o chá se juntar à lista de produtos importados. No entanto, Hamburgo também exportou mercadorias para Portugal, muitas das quais se destinavam às colónias. Entre os bens exportados de maior relevância figuravam os cereais, o linho, as armas e as munições, além de materiais de construção naval e artigos em metal (que incluíam, por exemplo, bacias de cobre).
Indígenas Tupinambás derrubam árvores de pau-brasil junto à costa brasileira e carregam a madeira para navios franceses. Ambos os painéis em baixo-relevo, eles mesmos executados em pau-brasil, estiveram originalmente instalados na fachada de uma casa no número 17 da Rue Malpalu, em Rouen, e datam de c. 1530. Fonte: Musée des Antiquités, Rouen, França
Membros do povo dos Tupinambás derrubam árvores de pau-brasil junto à costa brasileira e carregam a madeira para navios franceses. Ambos os painéis em baixo-relevo, eles mesmos executados em pau-brasil, estiveram originalmente instalados na fachada de uma casa no número 17 da Rue Malpalu, em Rouen, e datam de c. 1530. © Musée des Antiquités, Rouen, França
Membros do povo dos Tupinambás derrubam árvores de pau-brasil junto à costa brasileira e carregam a madeira para navios franceses. Ambos os painéis em baixo-relevo, eles mesmos executados em pau-brasil, estiveram originalmente instalados na fachada de uma casa no número 17 da Rue Malpalu, em Rouen, e datam de c. 1530. © Musée des Antiquités, Rouen, França
Membros do povo dos Tupinambás derrubam árvores de pau-brasil junto à costa brasileira e carregam a madeira para navios franceses. Ambos os painéis em baixo-relevo, eles mesmos executados em pau-brasil, estiveram originalmente instalados na fachada de uma casa no número 17 da Rue Malpalu, em Rouen, e datam de c. 1530. © Musée des Antiquités, Rouen, França
Hamburgo e os primeiros tempos do colonialismo
Nesta relação comercial, os hamburgueses detinham uma posição extraordinariamente vantajosa. Com efeito, era decisiva para Portugal a existência de compradores para adquirir os bens provenientes dos territórios coloniais; por outro lado, o país estava também dependente das importações de cereais, bem como dos outros bens obtidos através de Hamburgo. Além do mais, via-se constantemente obrigado a recorrer ao crédito dos estrangeiros. Ao contrário da maioria das outras cidades portuárias da Europa Ocidental, Hamburgo adotou uma posição de neutralidade em muitas das guerras dos séculos XVII e XVIII, assumindo-se assim frequentemente como um parceiro comercial de preferência para Portugal.
Tudo isto se traduziu em regulamentos aduaneiros e comerciais invulgarmente favoráveis para os hamburgueses e as suas mercadorias. Dois dos mais bem-sucedidos homens de negócio de Hamburgo no comércio com Portugal foram Peter ou Pedro Hasse e o seu filho André. Peter Hasse nasceu em Hamburgo por volta de 1620 e quando tinha cerca de 16 anos mudou-se para Lisboa, onde começou por ser aprendiz de um mercador alemão. Mais tarde, passou a exercer a atividade comercial de forma independente e acabou também por receber encomendas da própria Coroa portuguesa. Juntamente com o seu filho André, já nascido em Lisboa, Pedro Hasse esteve envolvido no apetrechamento da frota utilizada para reconquistar o nordeste do Brasil aos holandeses na década de 1650. Os Hasse concederam crédito ao rei português e forneceram-lhe navios, armas e cavalos provenientes do norte da Europa (provavelmente via Hamburgo).
Em 1671, o rei D. Pedro II concedeu a André Hasse o título de cavaleiro da Ordem de Cristo, por causa dos serviços por este prestados a Portugal, e em 1675 habilitou-o como familiar da Inquisição, elevando-o por fim ao estatuto de nobreza em 1691. Além disso, Hasse obteve ainda um cargo à Junta do Comércio do Brasil, o que lhe viria a conferir outros privilégios. Desse modo, a família ascendeu, no decurso de duas gerações, à elite económica e política de Portugal, tendo passado a estar diretamente envolvida na administração colonial do Brasil.
Quando se compara
os incentivos e o sucesso de que os Hasse e outros homens de negócio de
Hamburgo gozaram com o tratamento discriminatório a que, nessa mesma altura, os
mercadores portugueses de origem judaica foram submetidos, a imagem que se
obtém do papel de Hamburgo no comércio colonial português resulta ainda mais
dominante. Em certo sentido, esta é uma terceira fase do colonialismo europeu, em que Estados como Hamburgo, que não tinham colónias próprias, conseguiram
tirar proveito da exploração económica do mundo não-europeu. Só no final do
século XIX, quando o próprio Império Alemão adquiriu colónias, é que Hamburgo
se tornou também um beneficiário direto do colonialismo.
Tradução: Paulo Rêgo
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Notas
[1] "Aus dem ältesten Protokollbuch der Portugiesisch-Jüdischen Gemeinde in Hamburg [Do mais antigo livro de registos da Comunidade Luso-judaica em Hamburgo]", organizado e traduzido por Isaac Cassuto, in: Jahrbuch der Jüdisch-Literarischen Gesellschaft [Anuário da Sociedade Literária Judaica], 11/1916 (págs. 1-76, citado aqui da pág. 1).
[2] Friedrich Voigt (org.): Der Haushalt der Stadt Hamburg, 1601-1650 [O orçamento da Cidade de Hamburgo, 1601-1650], Gräfe & Sillem, Hamburgo, 1916 (pág. 211).
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Bibliografia
Poettering, Jorun: Handel, Nation und Religion. Kaufleute zwischen Hamburg und Portugal im 17. Jahrhundert [Comércio, nação e religião. Mercadores entre Hamburgo e Portugal no século XVII], Vandenhoeck & Ruprecht: Göttingen, 2013. Tradução inglesa: Poettering, Jorun: Migrating Merchants. Trade, Nation, and Religion in Seventeenth-Century Hamburg and Portugal, De Gruyter Oldenbourg, Berlim, 2019.
Petersson, Astrid: Zuckersiedergewerbe und Zuckerhandel in Hamburg im Zeitraum von 1814 bis 1834. Entwicklung und Struktur zweier wichtiger Hamburger Wirtschaftszweige des vorindustriellen Zeitalters [A refinação e o comércio de açúcar em Hamburgo no período de 1814 a 1834. Desenvolvimento e estruturação de dois importantes ramos da economia hamburguesa na era pré-industrial], Franz Steiner Verlag, Estugarda, 1998.
Schneider, Jürgen / Krawehl, Otto-Ernst / Denzel, Markus A. (org.): Statistik des Hamburger seewärtigen Einfuhrhandels im 18. Jahrhundert. Nach den Admiralitäts- und Convoygeld-Einnahmebüchern [Estatísticas do comércio de importação marítima de Hamburgo no século XVIII. De acordo com os livros de registo de receitas do almirantado e dos comboios marítimos], Scripta Mercaturae Verlag, Sankt Katharinen, 2001.